My dream girl does exist
by Anne Isabelle
Como comentei em um post anterior, eu era uma criança muito solitária e imaginativa. Eu não tinha muitos amigos, nem irmãos, então minha única companhia pra muitas brincadeiras eram os gatinhos e minha própria mente.
Eu criei muitas irmãs e amigues imaginaries ao decorrer da minha infância e adolescência, mas uma se fixou na minha mente de forma que eu nunca consegui esquecer.
MSN
Aos 10, eu conheci a parte da internet que antes era out of limits pra mim - o Orkut e o MSN. Meu pai me ensinou que, na internet, não posso usar minha própria identidade. Eu era hiperfocada em Sonic (como quase toda pessoa autista), então meu primeiro nick foi Stanley Cooper, o ouriço (em alguns momentos eu era também o Tails, talvez meu primeiro contato com um personagem com incongruência de gênero).
Na internet, a minha persona era de uma pessoa muito mais agitada e maluquinha do que eu costumava ser pessoalmente naquela época. Era interessante estar atrás de uma persona que não fosse eu - ao invés de ser uma pessoa tímida e estranha, eu era uma pessoa agitada… e estranha.
Eu obviamente sofria muito bullying e cyberbullying. Frequentava um grupo de discussão sobre desenhos antigos da Nickelodeon e fiz muitos amigos, apesar de alguns deles sempre se aproveitarem pra me trollar.
Certo dia, quando eu tinha 11, eu decidi trollar um deles no MSN. Porém, não deu certo, e talvez eu tenha ido longe demais. Então eu fui banida.
Decidi então criar fakes. Mas acho que investi demais na ideia.
A primeira de chamava Gianni. Ela tinha 14 anos e uma vibe bem scene-kid do final dos anos 2000. Meio Marimoon e fã do Restart. Ela tinha uma irmã chamada… Anne.
A Anne gostava de Restart também, mas ela preferia Nirvana. Ela tinha 11 anos, cabelo loiro e tinha uma vibe meio grunge e skatista. Depois de um tempo ela passou a me lembrar um pouco a Sadie Dupuis da banda Speedy Ortiz. Ela era radical e talvez a menina dos meus sonhos.
Eu conversei muito no MSN usando o perfil delas, a Gianni apresentando a irmã dela e interagindo em tempo real com ela (eu tinha tanto a aplicação do MSN como o ebuddy abertos). Até que eventualmente somente a Anne interagia mais.
O moderador que havia me banido gostava de conversar com ela no privado. Eu acho que depois de um tempo ele parecia estar um pouco caidinho nela hehe.
Porém, eu havia contado que eu era an Anne pra duas pessoas do grupo (que são minhas amigas até hoje). Uma delas vazou e fui descoberta e banida.
Em 2023 eu encontrei esse mod num show da banda dele em algum lugar da Mooca. Apesar da minha fobia social, foi uma experiência interessante.
Pós MSN e começo do ensino médio
O ensino médio, quando entrei na ETEC, me parecia um lugar propício pra que a Anne ou alguém muito parecida com ela surgisse. Eu imaginava muito a garota dos meus sonhos pois eu queria que meus sonhos se tornassem realidade. Sempre que via uma garota em algum programa ou alguma banda que me lembrasse an Anne, eu anotava ou salvava a foto pra ter como referência.
Minha melhor amiga na época aceitava que eu fingisse ser a Anne no Facebook Messenger. Ela parecia também estar um pouco interessada amorosamente nela. Isso me fazia me sentir estranhamente bem. A Anne se considerava já lésbica nessa época. E essa minha amiga transicionou.
Me lembro que um dia eu falei pra minha amiga que eu queria comprar uma peruca e me vestir de forma feminina pra ir pra escola. Ela achou que isso era loucura. Anos depois ela transiciona. A ironia do destino.
Autismo, imaginação e o olhar para a janela do ônibus
Como mencionei em um post anterior, eu tinha muita agorafobia. Além disso, tinha autismo e bipolaridade não diagnosticados e também era uma menina trans num ovinho. Por conta disso, todos os dias, quando eu pegava o ônibus pra ir pra ETEC, eu imaginava como a Anne lidaria com algumas situações. Ela era uma versão minha que lidava com algumas coisas mais severas e diagnosticadas, mas ela sempre tinha o amor da irmã dela pra protegê-la.
Eu gostava de ouvir música e ficar imaginando clipes com ela por aí. Uma delas era Cigarette Daydreams, que trazia uma certa melancolia pelo fato de que, até então, ela não existia.
Minha saúde mental deteriorou nos anos que seguiram o ensino médio. A Anne já tinha seu diagnóstico de autismo, mas eu não. As pessoas já sabiam tratar ela e ela já se conhecia.
Eu não.
Adulta
Eu gostava de imaginar a Anne palestrando em lugares interessantes e sendo referência em tecnologia. Eu gostava de imaginar ela chegando no trabalho com uma linda bolsa. De imaginar My Little Ponies na mesa dela (eu tinha medo de ter isso na minha mesa pré transição e poucas pessoas sabiam que eu amava MLP).
A vida foi ficando tão cansativa que a imaginação sumiu. Eu não pensava mais na Anne. Eu não pensava em mais nada de interessante.
Eu não sabia nada sobre minha sexualidade, meu gênero, minha identidade, quem eu era.
Eu sou Anne
Eu já contei muitas vezes a minha história de transição por aqui, mas gosto de enfatizar o dia em que eu percebi que eu era a garota dos meus sonhos.
A princípio, a Anne era uma entidade separada de mim. Éramos pessoas diferentes. Até eu perceber que não! Eu buscava tanto alguém do jeito que eu queria, mas nunca me passou à cabeça que eu poderia ser quem eu mais queria ser.
Então eu mudei de nome. Meu nome é Anne.
Anne Isabelle Lovelace (o sobrenome é um pseudônimo inspirado na Lady Ada Lovelace, a primeira programadora, filha de Anne Isabella Byron).
Eu sou quem eu sempre quis ser. E quem eu sempre quis ter como parceira.
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