Uma fuga para o cérebro em curto circuito
by Anne Isabelle
Eu sou bipolar. Sempre fui. Desde a adolescência eu sabia do meu diagnóstico. Infelizmente, não foi levado à sério, ninguém que precisava se importar realmente se importava com minhas angústias. É muito comum que pessoas ignorem o sofrimento na hora como “isso são hormônios da adolescência”, “isso é mimimi adolescente”, “a geração atual tá muito frágil”, ou invalidarem o sofrimento retroativo como algo que eu não estivesse pronta pra saber naquele momento (a real é que não sabemos como a vida seria se o diagnóstico viesse mais cedo, não é possível termos certeza).
Além disso, eu sempre fui uma pessoa muito solitária. A solidão, misturada com a bipolaridade e o estado do mundo atual, combinada com a rigidez cognitiva autista, nos levam à uma receita para o caos – meltdowns frequentes, burnout em todas as áreas possíveis da minha vida, ruminação sem fim.
Vamos focar em relações interpessoais por um momento – tá difícil conhecer gente, tá difícil estabelecer relações que realmente signifiquem algo. Tá difícil criar conexões que não sejam matches, curtidas, um ha-ha num story. Até mesmo nossas relações mais íntimas geralmente tem algum tipo de distância geográfica ou temporal (se você, como eu, mora numa cidade grande como SP, sabe que tá difícil arranjar tempo pra sair pra beber e não tá nem podendo beber mais nessa cidade).
A solidão que me cerca tem sido extremamente difícil de lidar. Ela é um misto entre não conseguir confiar em pessoas, não ter pessoas que vão estar contigo de forma tão reliable, não ter pessoas que vão estar disponíveis emocionalmente, fisicamente ou temporalmente.
Precisava fazer algo pra lidar um pouco com minha solidão
Eu precisava conhecer gente, urgente. Pessoas da minha idade, pessoas com interesses parecidos, pessoas que lutassem pelos mesmos ideais. E, com o tempo, comecei a nutrir esses espaços. Comecei a sair mais de casa e fazer coisas. Comecei a fazer pilates, onde eu consigo ter contato com algumas pessoas que perguntam sobre mim quando eu falto. Comecei a ir em bares e sentar ao balcão, onde a pessoa do lado sempre vai ter algum assunto e quase sempre vai querer conversar.
Já não tenho medo de ser visivelmente autista, e isso faz com que minha fobia social esteja bem menor, apesar de ainda ter muita timidez.
Mas o mais importante foi me matricular no Instituto Confúcio e ir aprender mandarim.
Um mundo novo
Quando me matriculei, decidi ir para aulas presenciais. O Instituto Confúcio não é tão distante de casa. Sair de casa já é ótimo, ter uma rotina em que eu possa sair um pouco é perfeito. No caminho, de Uber, vou lendo algum livro ou ouvindo músicas em mandarim. Paro num café, estudo um pouco antes da aula.
A professora é uma pessoa incrivelmente fofa, as aulas são extremamente dinâmicas e divertidas, eu estou aprendendo muito sobre a cultura e estou me dando muito bem com a escrita e com a fonética do mandarim.
Mas além disso, estou fazendo alguns amigos. Não muitos, mas tem pessoas que vejo toda quinta que já são parte da minha rotina e sinto que estamos construindo algo.
Hoje tivemos uma aula especial sobre o festival da Lua, e foi muito legal interagir com pessoas de outras turmas também.
Ter decidido estudar mandarim foi algo terapêutico pra mim. Por enquanto não me sinto tão sozinha, nem tão triste ou estressada. Me sinto bem por estar interagindo com pessoas tão legais e com uma cultura tão rica.
再见!
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