Cura, sobre o tempo e kintsugi
by Anne Macedo
Eu raramente escrevo em português. Eu estou em casa agora, e eu estou tendo todos os sentimentos possíveis.
Eu sinto que, nesse momento, estou vivendo o posfácio de um livro tragicômico. Aquele posfácio que nos dá um gostinho de esperança.
O sofrimento é algo inerente da nossa natureza. Sofrer é humano. Eu estou em sofrimento já há um bom tempo. Mas me surpreendo em como eu aguentei até aqui.
É também natural de nós, seres humanos, buscarmos a cura. A cura para nossas dores e nossos sofrimentos, nossos desconfortos. Como fazer as pazes, como pedir trégua, como acabar com a guerra? Sejam as guerras que o nosso mundo vive agora, sejam as guerras mentais que travamos contra nossos próprios demônios.
Muitas vezes, eu sinto um sentimento de paz, e até mesmo de alegria, mesmo estando em um estado de sofrimento.
É comum que as pessoas lidem com sofrimento de forma reativa – precisamos curar o sofrimento. Mas não sei se sofrimentos se curam. Nós sempre estaremos em algum tipo de sofrimento, pois a vida é algo extremamente frágil, cheia de tiny moving parts, cheia de conflitos, cheia de semáforos.
Pessoas tem formas diferentes de lidar com esses sofrimentos. Algumas preferem acreditar no superior, no universo, outra (como eu) são um pouco mais pé no chão e acreditam em psicólogos, psiquiatras. Alguns preferem se dopar e lidar com o sofrimento dessa forma. Muitas vezes eu senti conforto em saber que eu poderia só desaparecer.
Não existe uma forma certa de lidar. Não existe uma só realidade. Todos somos quebrados.
Mas afinal, sermos quebrados é um problema? Eu sempre penso em Kintsugis, os vasos japoneses quebrados e remendados com ouro.
Somos todos kintsugis, quebrados nos mais diversos padrões, universalmente infinitos.
É extremamente raro me ver escrever em português, e mais raro ainda com um tom de esperança. Esse é um daqueles momentos em que eu acolho minha criança interior e a digo: vai ficar tudo bem, nós vamos aprender a lidar com o sofrimento.
A cura pode não existir, mas é possível lidar com o sofrimento. Nenhum sofrimento é unbearable o suficiente para que não haja forma de lidar.
O que quero dizer com tudo isso é que, independente de eu ter algum transtorno mental muito sério, eu posso trabalhar isso durante minha vida. Eu posso fazer terapias, eu posso aprender a lidar com pessoas, eu posso amar e ser amada, sentir pequenos e grandes prazeres, ouvir e ser ouvida. Eu vou resistir. Eu estarei aqui. Eu não vou desaparecer. Essa é uma promessa para a pequena Anne.
Aquela que chora dentro de mim quando o mundo parece muito estranho e muito inseguro. Que quer um abraço e ser tratada de forma gentil.
Tentando explicar em termos mais concretos, eu já me sinto com o humor mais elevado. Vou tentar não ficar fisicamente só. Segunda feira tenho psicoterapia com minha psicóloga e com uma outra psicóloga (elas vão parear :3). Também devo procurar um centro de acolhimento de saúde mental (que parece ter especialização em pessoas com TEA).
E, depois que eu sair dessa, devo tentar melhorar minha vida. Pedir mais ajuda, talvez. Não me martirizar, não sofrer sozinha. Tentar não me isolar.
Por fim, escrever tem sido uma das melhores coisas da minha vida. A atividade mais terapeutica que encontrei. Eu não sei se escrevo bem, talvez sim, talvez não (algumas pessoas acham meu storytelling muito bom, apesar de alguns nitpicks).
Enfim, espero que você tenha esperança, pois eu acho que eu tenho também.
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