Uma história sobre cabelos
by Anne Isabelle
Cabelos são interessantes. Existe uma diversidade de cabelos e precisamos abraçar essa diversidade, pois cabelos são o principal símbolo de atitude. Um símbolo de liberdade são as jubas soltas dos hippies, enquanto um símbolo de repressão é raspar o cabelo com máquina. Em muitas religiões e sociedades, cortar o cabelo é sinônimo de abdicar de sua individualidade para servir a uma entidade.
Eu cresci nos anos 2000, uma época em que os cabelos lisos estavam em alta. Uma época em que a chapinha era moda e em que as pessoas arruinavam seus cabelos quimicamente com progressivas com formol. A era do puffy hair dos anos 80 já tinha ido embora e agora todos queriam ter o liso perfeito.
Meu cabelo sempre foi bem cacheado, quase crespo. Eu não sei se por uma herança africana ou judaica, mas eu não puxei o liso indígena da minha avó.
Na escola, meus amiguinhos todos tinham o corte estilo Aaron Carter ou Leonardo DiCaprio enquanto eu tinha uma juba que precisava ser domada com frequência (seja pelo risco de piolhos, como também pra comodidade dos meus pais por ser trabalhoso lavar o meu cabelo). A princípio, minha tia cortava meu cabelo, o que era bem legal. Porém, com o tempo, meu pai passou a me levar no cabeleireiro dele pra cortar meu cabelo, e eu odiava isso muito. Talvez fosse uma das primeiras formas de disforia da minha vida.
Falando em disforia, eu cresci ouvindo Rock e vendo cantores e mais cantores com cabelos volumosos, grandes e que me faziam confundí-los com mulheres. Seja o Geddy Lee, do Rush, que eu jurava que era uma mulher, como o próprio Michael Jackson na sua fase mais aterrorizante. Teve uma época em que eu virei muito fã de Green Day, quando eles lançaram o clipe de 21 Guns. Eu simplesmente me apaixonei pelo estilo do Billie Joe Armstrong com o cabelo lambido de um emo e delineado forte.
Eu sempre quis ter cabelo grande, mas ninguém me deixava ter cabelo grande.
Até que chegou o ensino médio. Um dos meus amigos do ensino médio, um garoto que fumava aos 14, tinha o hábito de raspar o cabelo no começo do ano e deixar crescer até o final, revelando uma juba parecida com a do Jim Morrison.

Meu pai já tinha parado de me obrigar a ir no cabeleireiro, mas ele ainda me incomodava me dizendo que eu precisava cortar o cabelo. Enquanto isso, deixei o cabelo crescer e fui fazendo alguns tratamentos pra melhorar a definição dos meus cachos. Eu parei de tentar ter cabelo liso porque fui percebendo que cachos são algo lindo.
No ensino médio, cheguei a ter um cabelo bem puffy. Um amigo meu me dizia que eu parecia o cantor Cícero, que eu amo de coração.

Depois do ensino médio, comecei a ir com frequência em barbershops (a.k.a. salão de beleza pra macho barbudo) e era uma experiência interessante. Porém, eles não sabiam fazer outro corte de cabelo se não o do hipster stomp-clap hey dono de hamburgueria.
Pandemia
Antes da pandemia, eu deixava meu cabelo crescer mas tinha preguiça de manter ele porque precisava lavar com frequência pra manter um formato legal. Eu gostava de quando meu cabelo tinha peso o suficiente pra ir caindo para os lados, de uma forma bem feminina ou andrógina. Porém, cabelo cacheado precisa crescer bastante pra ter esse peso, e produtos pra manter os cachos ativados são necessários. Então eu ainda cortava meu cabelo com frequência.
Durante a pandemia, eu obviamente deixei de cortar o cabelo e ele cresceu enquanto eu fui me descobrindo como uma pessoa trans. Isso caiu como uma luva, pois quando comecei a transição meu cabelo já tinha o formato perfeito.
Em algum momento experimentei um corte assimétrico, mas não gostei muito.

Daí eu encontrei meu cabeleireiro favorito, o @pabloquefez, e fiz um corte meio reset pra desfazer o corte que não gostei.

E aí eventualmente fiquei maluca e decidi pintar meu cabelo.

Retoquei e fiquei parecida com a Anya.

Teve minha fase Coraline.

E, por fim, a fase Twilight Sparkle/Stocking Anarchy/Yumi.

Eu amo meu cabelo, e amo pessoas que amam os próprios cabelos. Ame sua juba, aceite-a, use-a como forma de rebeldia ou de demonstrar sua criatividade. Jubas são a coisa mais interessante que o universo nos proporciona.
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