Criamos nossa base de conhecimento em um jardim murado
by Anne Isabelle
Certo dia, a pessoa com quem estou “conversando” me falou sobre a dificuldade de lidar com afastamentos e quando algo tem um fim. Me lembrei de um post no Instagram da Geni Nuñéz, psicóloga e ativista que fala muito sobre afetos. O post era sobre impermanência, e se não fosse por um backup dos meus posts salvos do Instagram e um script em jq, nunca iria encontrar de novo esse post.
Basicamente, o Instagram não sabe indexar muito bem conteúdo que está escrito em imagens, e sua busca é péssima. O Google até busca conteúdo no Instagram, mas a busca é limitada e indexada apenas pelo conteúdo das legendas (e não pelas imagens dos posts, que tem restrição por conta – é necessário ter uma conta para ver os conteúdos).
O próprio Google, antes uma ferramenta que eu gostava muito de usar e que eu dominava muito para encontrar coisas nos cantos mais profundos da web, passou a ser uma ferramenta burra e péssima. Cheia de posts traduzidos por IA, sites patrocinados, buscas com resultados que não condizem com o que foi pesquisado, vieses bem nítidos.
O jardim murado
Muito conhecimento e conteúdo interessante é criado por pessoas dentro das redes sociais. Afinal, é a melhor forma de atrair público, abrir mentes, atingir quem precisa ser atingido. As massas se concentram nas redes sociais.
Eu adoro como o misto de recomendações do Instagram (seja baseado em IA, sejam recomendações orgânicas) me faz conhecer criadores de conteúdo que falam ou fazem conteúdo relevante, que está muito alinhado com minha forma de pensamento ou com meus gostos artísticos e pessoais.
Porém, há uma coisa muito ruim que esquecemos – nós estamos salvando todo o nosso conhecimento em uma Biblioteca de Alexandria digital – eu acredito que ela vá existir por muito tempo, mas cada vez pior. A merdificação das plataformas digitais já é uma realidade, e eu já não consigo encontrar posts relevantes de um determinado assunto de forma simples.
Estamos criando conteúdo relevante demais que será desperdiçado num mar algorítmico e digital que não pode nem ser indexada e facilmente pesquisada. Que ficará nas mãos de empresas de big tech sob o controle delas.
O que fazer?
Eu amo fazer curadoria de conteúdo, especialmente textual. Eu costumava usar apps como Pocket e Omnivore para salvar artigos que eu queria ler (ou que já tinha lido, mas que gostaria de ter referências futuras). Infelizmente, eles me deixaram na mão e cessaram suas operações deixando órfãos e deletando bases de dados.
Decidi então fazer algumas automações no app de Shortcuts da Apple pra criar um pipeline para salvar conteúdo e arquivar diretamente no Web Archive.
Os artigos são salvos no meu Obsidian, com backup no meu iCloud Drive (eu sei, big tech). Eu também faço uma requisição para o Web Archive com a URL do artigo para que ele seja salvo, e gero uma URL com tempo próximo do tempo de archiving para que eu possa ter uma versão do site acessível caso eu queira algum asset a mais.
É um solução brilhante pra mim, mas ainda não resolve um grande, e não individual, problema – e as big techs?
É por isso que precisamos começar a pensar em soberania digital, e levar em consideração projetos de arquivo quando pensarmos nisso. Como conseguimos construir uma base de conhecimento nacional, longe de big techs e soberana?
Precisamos disso urgentemente, não podemos deixar mais nosso conhecimento murado em lindos jardins murados de empresas estrangeiras que visam apenas o lucro.
Ciao.
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