How I stopped worrying and learned to love São Paulo
by Anne Isabelle
Eu tinha acabado de começar a ETEC. Ensino Médio integrado ao técnico era extremamente pesado para uma adolescente de 14 anos. Eu entrava cedo, por volta das 8AM, e por volta das 12h eu precisava almoçar. Saía as 16h.
Como eu morava perto da escola, eu ia pra casa de ônibus durante o almoço, almoçava e meus pais me levavam de volta antes da aula. Era um mundo novo pegar ônibus, mesmo que para um caminho tão curto. E num bairro perigoso, se tornava uma certa aventura.
Até que, certo dia, um homem se aproximou de mim na entrada da minha rua e me avisou que tinha arma e que tinha saído da cadeia. Ele levou meu celular. Nesse momento, desenvolvi agorafobia…
Agorafobia
Eu costumo nomear meu sofrimento como agorafobia por falta de uma melhor palavra. Eu tinha um intenso medo de sair de casa. Esse medo já costumava existir quando eu era mais jovem, mas com certeza se intensificou depois que fui assaltada. O assalto em si não foi tão medonho, e hoje eu até dou risada do ocorrido (pois o homem estava com mais medo do meu bairro do que eu estava com medo dele). Mas sair de casa era difícil. Além disso, estava começando a me descobrir como uma pessoa autista (auto-diagnosticada na época), o que fazia com que muitos dos meus meltdowns e tantrums fossem de certa forma explicados.
Apesar do sofrimento, meu pai tratava meu quadro com pouca sensibilidade. Porém, ele fazia coisas que me faziam me expor a situações que meu cérebro tinha medo, o que fez com que eu passasse a lidar com elas. De certa forma, isso foi muito bom. Especialmente quando eu alinhava a minha necessidade de rotina com as exposições. Era só meio difícil quando eu acabava deixando a rotina de lado…
Me lembro de certo dia andar pelo meu bairro de noite com um medo extremo. Na minha cabeça, essa música tocava. Man, you really freak me out.
Adulta
Eu arranjei meu primeiro emprego em 2016, aos 17. A empresa ficava na Zona Norte de São Paulo. Eu precisava pegar ônibus pra chegar no metrô, depois metrô até a Sé, depois metrô até a Portuguesa-Tietê. No fim do dia, eu corria pro sentido do fluxo em direção à faculdade, na Zona Leste (onde eu moro). E, por fim, graças a minha agorafobia, meu pai me buscava na faculdade (só que ele me buscava longe da faculdade, num bairro extremamente perigoso de noite – mais uma vez, a exposição).
Até que, finalmente, eu decidi pegar o ônibus. Eu saía da faculdade por volta das 22h30 e ia para o ponto com meus colegas de sala. Me sentia até segura. Muitas vezes também voltei sozinha, esperei o ônibus no ponto e andei sozinha. Colocava meu fone, pegava um livro e mergulhava em outro mundo.
Eu sempre amei olhar para a janela do carro/ônibus/metrô e imaginar cenas cotidianas, videoclipes de músicas.
No começo, pegar o metrô era medonho. Ir até outra parte da cidade me dava um medo enorme. E se eu caísse no trilho? E se eu me jogasse? Eu estava num momento de extrema depressão pra estar andando sozinha pela cidade. Só que eu não me deixava ser vulnerável. E não pedia ajuda, infelizmente.
Sozinha
Em 2020, eu decidi me mudar da casa dos meus pais e morar sozinha. Eu tinha 21 e um salário que, apesar de invejável para muitas pessoas de 21, era bem pouco pra um aluguel. Mas eu decidi me mudar mesmo assim e tentar viver um pouco sozinha. Durou 3 meses, pois foi no mesmo ano que a pandemia estourou.
Nesse meio tempo, a minha fobia social e minha agorafobia estavam no ápice. Eu tinha medo de sair se não fosse pra ir pro trabalho ou pra faculdade, eu fazia caminhos diferentes e muito sem sentido pra evitar lugares que eu achava mais perigosos. Eu não tinha muitos amigos com quem sair também. Explorar o bairro, explorar a cidade.
A pandemia veio e perdi de novo o costume de sair. Toda aquela exposição tinha dado lugar ao conforto sombrio de ficar muito tempo em casa. Esse conforto que depois se tornou um pesadelo frio. Por anos.
Até que finalmente a COVID deixa de ser tão medonha. Até que finalmente temos vacinas e pessoas não estão morrendo mais. E aos poucos vou saindo, e aos poucos deixando de usar máscaras, e aos poucos voltando ao normal.
São Paulo I love you, but you’re bringing me down
No começo da normalidade pós-pandêmica, ainda era difícil andar pela cidade sem sentir medo. Sempre que eu precisava ir em algum lugar eu via quanto custava ir de Uber, como chegar de metrô, se o caminho era bom pra andar a pé, me preocupava com tudo. Ainda tinha resquícios da minha agorafobia, que aos poucos foram sumindo.
Finalmente, depois da separação dos meus pais, fui morar sozinha de novo. Morar sozinha me trouxe a possibilidade de sair mais, sem hora pra voltar. E assim fui andando mais pelo meu bairro, que acho um bairro lindo e ótimo de andar. Fui conhecendo gente. Fui fazendo mais coisas presenciais. Saindo mais pra comer, beber e pra me divertir. Ir para a casa de amigas. Ou simplesmente colocar meus fones, colocar música e sair pra andar. E observar as ruas, e as pessoas, e os lugares, os pontos de encontro. As árvores. A beleza da cidade.
Nem parece o Brasil
Muita gente tem esse costume de falar que lugares bonitos de São Paulo “nem parecem o Brasil”, enaltecendo uma superioridade norte-americana (dê risada aqui) ou européia, ou até mesmo asiática. Poucos se lembram que o Brasil é sim um lugar lindo e incrível. E São Paulo, por mais caótica e estressante, é a cidade onde nasci, cresci e tenho toda minha vida, minhas amizades e meus afetos aqui.
Quando você anda por um lugar lindo em São Paulo, que nos lembra que estamos em uma enorme cidade, culturalmente efervescente, esteticamente interessante, lembre-se: você está no Brasil.
Aos poucos eu fui quebrando a minha ideia de que o Brasil é um país ruim. Claro, ele tem seus problemas. Tem pobreza, tem pessoas em situação de rua, tem negligência governamental, tem violência em alguns lugares (especialmente violência policial), temos problemas de educação (com governadores vendendo a educação pública…). Mas qual país que vive num regime capitalista não tem isso? Os Estragos Unidos estão numa situação bem pior.
Vamos deixar o viralatismo de lado e viver nosso país e nossas cidades.
tags: