Animal acuado
by Anne Isabelle
Desliguei a reunião no Google Meet com meu gerente enquanto segurava o choro. Não queria parecer desleixada. Na verdade, tentei não pensar muito na reunião. Mas aí me veio algo à cabeça:
eu não sou boa o suficiente
Não que essa frase tenha sido dita na reunião, mas resumi ela por essa simples frase. Uma frase que sempre me resumiu.
Eu sempre fui ótima em muitas coisas, mas péssima em outras. E a cobrança de ser boa em tudo vinha tanto de mim quanto de outras pessoas.
Eu era um fracasso na infância por não ter coordenação motora, mesmo sendo ótima em matemática, ciência e linguagens. Eu era um fracasso no Fundamental porque eu tirei 7 em História. Eu toco guitarra, mas sou muito lenta na troca de acordes. Eu falo inglês, mas falar inglês demais é irritante e esnobe.
E no trabalho eu cheguei num plateau. Eu não consigo mais crescer. Eu não tenho por onde correr, tudo o que tem pela frente é turvo e opaco e não muito bem definido.
Como uma engenheira sênior, é esperado de mim que consiga navegar em situações ambíguas, mas eu nunca soube fazer isso. Eu gosto de fazer ou coisas que acho importantes, ou coisas que me mandam fazer. Ter que entender se o que estou fazendo tem impacto positivo para o negócio sempre me deixa tão em dúvida.
Além disso, a neurodivergência sempre aparece. Eu achei que eu estivesse menos mascarada do que antes, mas sinto que preciso voltar a mascarar meu autismo, pelo menos no mundo corporativo. Já tive muitos backstabs por ter me deixado ser vulnerável nesse mundo, e não quero deixar que isso aconteça de novo.
É por isso que não chorei na reunião. Mas eu queria muito.
Eu queria que entendessem que sim, eu tenho as vezes uma mente orientada a detalhes. Que sim, as vezes eu foco em um detalhe por muito tempo e esqueço outros detalhes.
Mas por favor, me diga que estou melhorando. Por favor, me diga onde posso parar e continuar segura. Detesto ter o medo de que logo estarei com os dias contados. De que logo minha performance não será o suficiente para o trabalho. De que logo eu não serei mais útil.
Eu só quero poder ser medíocre. No sentido de que não quero dar o meu melhor. No sentido de que eu já estou dando o meu melhor pra ser minimamente funcional todos os dias.
Eu estava tão feliz nos últimos meses, e motivada pra continuar bem, e imaginei que estaria preparada pra qualquer coisa que me deixasse vulnerável. Ledo engano, a primeira pedra no caminho me machucou mais do que gostaria. E toda a confiança que criei nos últimos meses se esvaece num piscar de olhos.
Me sinto como um animal acuado. Não tenho por onde correr. Não tenho como escapar. É nessas horas que os pensamentos destrutivos tomam conta, quando o estresse começa a ser muito. Percebo que desconto na comida. Percebo que preciso me distrair, mas o fim de domingo e a iminência da segunda-feira me deixa cada vez mais desesperada.
Por que eu preciso ser perfeita, num mundo que não é nem feito pra mim?
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